Conheça a história da jornalista periférica que trabalha para criar uma comunicação sem esteriótipos sobre as favelas.
Francisca Quitéria da Silva Rodrigues (39), é natural de Fortaleza, capital do estado do Ceará, e mudou-se para São Paulo com apenas três anos. Sua mãe sofria violência doméstica e a família precisou interferir para que não acontecesse o pior. E foi assim que ela chegou ao Parque Santo Antônio, bairro periférico da zona sul da capital paulista.
Fran, como é chamada por todos, guarda suas memórias afetivas quase todas na zona sul, inclusive, aquelas que retratam o início da paixão pela profissão, que exerce há mais de 10 anos: “Não tinha ninguém na minha família que trabalhava no jornalismo, mas quem mora em periferia e tem mãe que trabalha, acaba passando muito tempo em casa, e o meu passatempo era a TV”, conta. “Assistia muito noticiário e depois ia para rua ficar com meus amigos conversando, e sempre falava de notícias. Lembro que, na época, um amigo comentou que eu poderia ser jornalista”, completa.
Mas, apesar de não ter nenhuma referência do jornalismo próximo a você, sempre teve o incentivo da família para concluir os estudos. Após se formar no Ensino Médio, passou a trabalhar em vários lugares como babá, vendedora, entre outros, mas o desejo de estudar jornalismo a acompanhava.
Após alguns anos trabalhando com comércio, conseguiu prestar vestibular, mas achava que era tarde, pois ela tinha 26 anos e era bem mais velha que as outras colegas de universidade. Mas, sua insegurança foi embora, assim que ela se deparou com o mundo acadêmico, pois lá que percebeu que o jornalismo era a profissão que queria exercer.
Durante a faculdade, ela conheceu mais de perto a área social e despertou seu interesse, na verdade, era algo que já fazia parte de seus planos, só faltava partir para a ação, e foi assim que criou o blog chamado “Correio da Zona Sul”, com uma colega de classe. O blog era voltado para noticiar a cena cultural que acontecia nos bairros próximas ao seu, o que permitiu que ela criasse uma rede de contatos com artistas da região, que a procuravam para divulgar seus trabalhos, ou seja, cada vez mais era vinculada ao mundo de iniciativas sociais.
Após ter trabalhado como estagiária em uma revista de condomínios, passou a entender a importância do trabalho coletivo. E, em 2013, durante a produção do documentário sobre “A história do centenário de Santo Amaro” como trabalho de conclusão de curso (TCC), se inscreveu para um curso de audiovisual que estava acontecendo em Paraisópolis, e foi neste momento que viu a vaga de jornalista no Espaço do Povo. Após a entrevista com Joildo Santos, dono do jornal, foi aprovada para o cargo e começou a trabalhar tanto para o jornal quanto para a agência de assessoria de imprensa que estava começando na época, passando também pela rádio comunitária Nova Paraisópolis.
De lá pra cá, seu trabalho foi se desenvolvendo e ganhando visibilidade: “Ao longo desses anos, esse trabalho de comunicação tem sido bem importante para as iniciativas que vêm surgindo em Paraisópolis. Acho que essa relação com a imprensa acabou criando uma imagem que a gente estava querendo, de construir uma comunidade organizada, potente, com uma diversidade cultural muito grande”, lembra Fran.
Provando toda sua potência, no começo do ano, recebeu o convite para palestrar na melhor universidade do mundo: Harvard. “Nunca imaginei estar em Harvard, acho até estranho falar isso, ainda mais quando você vem de uma família que não sabe o que é Harvard”, contou.
Essa foi apenas uma das oportunidades que a jornalista teve de levar o nome da segunda maior favela de São Paulo, para outros lugares do mundo. Fran, que atualmente atua como diretora executiva no Grupo Cria, também é uma das coordenadoras do G10 Favelas e, desde o início, tem um papel fundamental na elaboração de discursos contra-hegemônicos, que colocam os moradores das favelas como protagonistas de suas histórias. Junto com o G10 Favelas, ela já representou as favelas do Brasil em diversos países, levando com ela o poder da comunicação de território.
“Fazer parte dessa transformação social é uma realização, como se eu tivesse ganhado na loteria. Que o que antes era impossível para os favelados, agora é inevitável, hoje consigo me ver em vários lugares, com um sentimento de conforto e pertencimento”, finaliza.