
Dia destes viralizou na internet um episódio que poderia resultar em tragédia, mas se tornou cômico, e até exemplar. Sandra Monteiro, que aguardava seu ônibus num dos pontos da agitada Avenida Paulista, em São Paulo, de repente se viu travada por outra mulher, portadora de problemas mentais, que a imobilizou com uma faca no pescoço. Foram 40 minutos de negociação, até que policiais conseguiram desarmar a agressora. Entrevistada após o episódio, Sandra revelaria o que pensou enquanto era refém: “Eu com tanta coisa pra fazer e parada aqui”. E ainda lamentou ter perdido seu ônibus. Tornou-se diva, pela calma budista diante de uma situação tão estressante.
Um contraste com uma discussão corrente sobre os problemas causados pelo consumo excessivo de bobagens em sites e redes sociais. A expressão usada é “brain rot”, ou cérebro podre. A polarização, acentuada pelas fake news, e a ansiedade decorrente da dependência do que se veicula na internet – o desejo de ter a vida (real ou glamurizada?) dos influenciadores digitais e o sofrimento pelos “cancelamentos” fazem parte da cesta danosa.
Para o psicólogo norte-americano Johnathan Haidt, autor de “A geração ansiosa”, as taxas de ansiedade e depressão entre crianças e adolescentes têm crescido nos últimos anos. Ele defende a volta do brincar, substituído gradualmente pelo celular, o que tem prejudicado o desenvolvimento psicológico, neurológico e social das crianças e jovens, causando ainda fragmentação da atenção e problemas de sono, entre outros. Essa hiperatividade viciante faz essas gerações recentes não terem a paciência e a concentração necessárias para ler um livro, por exemplo.
Pensando sobre o assunto, confirmei minha admiração pela criação dos meus netos, por meu filho e minha nora, com regras firmes sobre o acesso à internet. Também dei graças à sorte por não ter precisado enfrentar esse problema quando meus filhos eram crianças. Somente na adolescência do mais novo a internet foi universalizada pra valer, e ele pôde crescer sem tanta influência do digital.
Finalmente, refleti sobre a enorme diferença de minha infância e adolescência 100% analógicas (até minha tese de mestrado foi redigida em uma medieval máquina de escrever). Claro, tenho envelhecido ao lado da quase completa digitalização, e reconheço algumas de suas vantagens: é muito conveniente e rápido poder escrever com corretor automático, pesquisar no Google em caso de dúvidas (se forem fontes confiáveis, claro), mandar textos e mensagens (para família, amigos e colegas de trabalho) em segundos. E sou cringe, o que dificulta me viciar em redes sociais.
Mas algum impacto até eu sofro: percebo que já não tenho a mesma paciência com filmes, a menos que sejam muito interessantes (resultado também da enorme variedade de atrações hoje disponíveis no streaming, versus a escassez anterior). E naqueles filmes quase inevitáveis, mantenho um olho no peixe (o filme), outro no gato (em geral algum texto no celular). Sinal dos tempos: até a tolerância de uma idosa cringe é reduzida na efervescência digital.
Voltando ao início desse texto: em situação como a de Sandra – pressionada por uma faca no pescoço -, será que eu teria aquela platitude, mais preocupada com o tanto que tenho pra fazer?
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