O movimento reuniu a quebrada e o mundo em torno da cultura de rua
Surgiu na década de 1970 o movimento que mudaria a moda, a dança e a música para sempre. Desde a época dos bailes, em que nossos pais e avós dançavam o passinho marcado nos clubes, o hip hop inspira a juventude por meio da arte.
O movimento que começou no Bronx, bairro periférico de Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 1973, completa 50 anos em 2023. Ele surgiu nas festas de rua, como uma forma de reunir as comunidades caribenha, afro-americana e latina. O DJ Kool Herc, conhecido como um dos criadores do movimento, abriu o caminho do que futuramente ficaria conhecido como movimento hip hop.
Durante meio século, o movimento inspirou pessoas a expressarem sua arte através dos quatro elementos: DJ, MC, Grafite e Breakdance. Aos poucos, a cultura criada nas ruas ganhou força e se tornou referência na música, moda e dança. Nomes como DJ Grandmaster Flash e o grupo Whodini, são exemplos de artistas que divulgaram o movimento através da música, que pouco depois seria conhecida como rap.
Conhecimento: quinto elemento
Considerado um dos criadores do hip hop, Afrika Bambaataa foi o responsável por unificar todos os elementos, criando o movimento hip hop. Os quatro elementos que co-existiam de maneira independente, passaram a se complementar e ganharam ainda mais força, quando Afrika Bambaataa criou o quinto elemento: o conhecimento, fruto das experiências geradas através dos elementos básicos.
Uma letra de rap, o desenho de um grafite ou uma b-girl girando no moinho de vento, cria uma reflexão sobre a experiência vivida no movimento hip hop. Essa mensagem é capaz de produzir consciência, conhecimento e transformar a vida das pessoas que acessam os elementos desta cultura.
Afrika Bambaataa foi o fundador da Universal Zulu Nation, organização criada em 12 de novembro de 1973, com o objetivo de pacificar o bairro do Bronx, por meio de políticas sociais e pela dança, música e o grafite. A organização está presente em quase todo o planeta, no Brasil, tem sede em Diadema, município da Grande São Paulo, e é liderada por King Nino Brown, considerado do antropólogo do hip hop.
Brasil: 40 anos do movimento hip hop
A cultura chegou ao Brasil no início dos anos 1980. Se popularizou por meio de informações que vinham dos Estados Unidos, por meio de revistas, filmes, discos e fitas cassete. Tudo era novidade, o ritmo, as roupas, o cabelo e o jeito de dançar. A juventude negra estava tendo o primeiro contato com a cultura recém criada.
“Eu ia em uma balada chamada Hadock [em São José dos Campos, São Paulo], e vi um homem com um cabelão, bem grandão, dançando Soul no meio da pista, balançando a cabeça, pensei que negócio doido! Era o Nelson Triunfo, só depois eu fui entender a importância dele na cultura hip hop”, lembra a DJ Vivian Marques que começou na discotecagem em 2007.
No início, o rolê acontecia na Galeria 24 de maio e na estação São Bento, no centro de São Paulo, e de lá foi se espalhando pela cidade. O pessoal se reunia para dançar break e ouvir rap no rádio Boombox, aqueles rádios gigantes a pilha. As referências do movimento na época eram o b-boy Nelson Triunfo, Thaíde, Dj Hum e Pepeu. Vários nomes importantes também surgiram destes encontros, como os grafiteiros “Os Gêmeos” e os “Racionais MC´s”. A Rua estava escrevendo sua história.
“Desde jovem, com 12, 13 anos, já tive contato com os bailes e as festas, e consequentemente, com o rap, que a gente ainda não tinha essa definição, era o balanço. Eu ouvia os Originais Funk, James Brown, Kool and Gang, e depois nos bailes começamos a ouvir rap em todas suas vertentes”, diz Gaspar Z’África, integrante do grupo Z’África Brasil que completou 30 anos recentemente. “O primeiro rap que aprendi, foi o rap dos Irmãos Metralha, [DJ Dri e Lino Cris], o Rap da Abolição, foi através desta música que me identifiquei com o rap”, completa.
Rap
No início do movimento, as pessoas iam para as festas “apenas” para ver os DJ´s tocarem. Porém, os MC´s (mestre de cerimônias) começaram a participar também. Foi a mistura perfeita. Assim surgiu o que conhecemos hoje como rap. O DJ dando o ritmo e o MC rimando no microfone.
O registro físico inaugural do hip hop nacional é o lançamento do disco de rap “Hip Hop Cultura de rua”, de 1988, com participações de Thaíde & Hum, O Credo, MC Jack, André Abujamra e Código 13. O disco datou o nascimento do movimento no Brasil e mostrou ao país como essa expressão artística funcionaria dali em diante.
“Eu nunca pensei que queria ser MC. O que aconteceu é que quando eu fui nos shows do Racionais, Thaíde e DJ Hum, e os grupos de Curitiba, BlackOut e Comunidade Racional, grupos dos anos 90 e 2000. Eu sabia que queria fazer algo com aquilo, aquele era o meio social que eu queria habitar”, disse a rapper Karol de Souza que está nessa caminhada há 13 anos., “Eu nunca quis ser MC, mas com os anos, eu ouvia muito rap e falei, eu sei fazer isso”, Karol completa.
Breakdance
Mas não foi apenas através da música que o movimento ganhou destaque. O hip hop teve forte influência da dança de b-boys e b-girls no breakdance. O break surgiu em São Paulo como uma herança dos bailes black dos anos 70 . No início dos anos 80, período da ditadura militar, as apresentações eram repreendidas pela polícia. Apesar da perseguição, ao longo da década, as batalhas de break se popularizaram na cidade, e ganharam a atenção de TVs e revistas. A dança passou a ser vista como uma nova moda.
Grafite
O grafite apareceu como uma forma de protesto para o pessoal da quebrada, uma maneira de deixar sua identidade nas ruas da cidade. Nos anos 80, as gangues da cidade de Nova Iorque usavam o grafite para marcar seu território com as “tags” e avisar que aquele bairro já tinha seus donos. Nas décadas seguintes, o grafite cresceu e se juntou ao movimento hip hop, fazendo parte do cenário das cidades do mundo inteiro.
A grafiteira Bicho Ruim, cria do Capão Redondo, fala sobre seu envolvimento com o grafite e sua primeira inspiração: “Minha primeira inspiração foi o Le Asap (grafiteiro). Tinha alguns grafites dele nesse caminho indo para o trabalho, as pinceladas dele era delicado de longe, mas de perto dava pra sentir muitas outras coisas. Pronto é isso, eu quero ser capaz de deixar isso na rua”, lembra a artista da nova geração que se destaca produzindo desenhos com estilo inconfundível.
Como diria o rapper Kamau, “Me sinto o alicerce, não aparece mas sustenta”. O hip hop está há 50 anos contando as histórias feitas por pessoas que não aparecem sempre, porém, foram extremamente importantes para a construção desta cultura que busca refletir, questionar e inspirar pessoas através da arte.