
Dia desses postei um episódio no grupo de WhatsApp que tenho com meus dois filhos: a empresa de seguro de vida (benefício do grupo onde trabalho) havia me solicitado exames médicos específicos — algo que nunca acontecera antes. Explica-se: tenho 67 anos (sou a mais idosa entre os milhares de colegas de trabalho), e certamente eles precisam contingenciar, na contabilidade, a probabilidade de eu ir desta para melhor nos próximos anos, gerando a obrigação de indenizar os beneficiários.
Como morro de preguiça de fazer exames, decidi que deixaria por isso mesmo. Mas depois repensei, ao concluir: sem esses exames, não haverá prêmio do seguro – que pode render uma grana para meus descendentes. O que uma mãe não faz pelos filhos? Venci a resistência e fiz os tais exames (para alívio da empresa seguradora ao constatar que os resultados foram bons).
Meus filhos — que perdem a mãe, mas não perdem a piada — imediatamente começaram a tramar minha morte, para receber a bolada. Chamei-os à razão, ponderando: ainda trabalho e dou lucro. Melhor vocês adiarem esses planos… Eles se convenceram. E eu continuo vivinha da silva.
Mas o assunto rendeu. Meu filho mais novo (24 anos) me ligou de supetão enquanto eu estava no trabalho e perguntou à queima-roupa: “Mãe, como você quer o seu velório?”
Parêntesis: ele costuma me ligar a qualquer hora — e a prosa é sempre muito boa. Ele avisa: “Não é nada urgente, só quero jogar conversa fora. Pode falar?” Em geral, posso (o que também me livra de trechos chatos de reuniões).
Lembrei-me desse papo com meu filho quando, num evento recente sobre livros, para o qual fui gentilmente convidada, uma grande amiga — inseparável durante toda a adolescência — contou um episódio de quando tínhamos por volta de 12 anos. Eu amava Português, especialmente, as aulas de uma certa professora. Um dia, ela pediu à classe uma redação, e escrevi sobre uma cena inusitada: o que as pessoas conversavam num velório, à volta do meu próprio caixão. Minha amiga ainda se lembra de que, apesar do tema, não era um texto pesado.
Voltando à conversa telefônica com meu filho, também leve e divertida (mesmo que, à primeira vista, toque em tema um tanto lúgubre): já deixei claro aos meus filhos que não desejo ser submetida a procedimentos invasivos em situação de não haver mais possibilidade real de recuperação. Aliás, em situações de sofrimento extremo, sou francamente favorável à eutanásia. Também já compartilhei com eles que quero ser cremada.
Mas meu filho queria saber detalhes práticos: “Como quer a cerimônia? Onde quer que espalhemos as cinzas?” Pensei em responder que, nessa altura do campeonato, esses seriam problemas deles, os filhos. Como dizia meu pai, rindo: “Depois da morte, alguém vai dar um jeito; ninguém quer ficar com um cadáver em casa.”
O papo estava divertido. E eu, que sempre quero tomar decisões e estar no controle da situação, respondi que não quero um evento triste. Lembrei-me dos relatos do Zeca Pagodinho sobre velórios na família: tem cerveja, salgadinho, jogos. Pois no meu também quero! Que celebrem, relembrem as coisas boas e alegres das nossas vidas. E que incluam músicas — tão importantes para nossa família. Meus filhos são ótimos nisso, e podem tocar e cantar minhas melodias preferidas.
Enfim, que a morte seja alegre e leve como buscamos que a vida seja. E que minhas cinzas se reintegrem à natureza. Parafraseando o trecho bíblico: da poeira de estrelas viemos, à poeira de estrelas voltaremos.