SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Quando exames confirmaram seu câncer de mama, Adenailde Alves Batista da Silva tinha 32 anos. Na semana seguinte à descoberta do tumor maligno, soube que estava grávida. Durante nove meses, atravessou o difícil equilíbrio de fazer sessões de quimioterapia e manter a gravidez. Submeteu-se a operação para retirada de um seio.
Anteontem pela manhã, a atendente de telemarketing comemorava sua sobrevivência e o ano e meio de seu filho andando ao lado de milhares de pessoas de 18 países que tomaram parte do Mall de Washington, o histórico passeio que liga o Capitólio, a sede do Congresso norte-americano, ao memorial ao presidente Lincoln.
Adenailde estava a 7,6 mil quilômetros de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, onde mora, e participava como convidada da Corrida pela Cura Global, patrocinada há 20 anos pela Fundação do Câncer de Mama Susan G. Komen, entidade norte-americana que leva o nome de uma vítima da doença e que foi criada pela irmã dela, Nancy Brinker, em 1982.
Havia 45 mil homens e mulheres, segundo os organizadores, a maioria vestindo roupas com tons de rosa, a cor oficial do evento -a polícia não soltou sua estimativa para o número de participantes. Outras três brasileiras acompanhavam Adenailde: Maira Caleffi, fundadora da Femama, que reúne 32 ONGs em 17 Estados, Maria Angélica Linden, do Imama, do Rio Grande do Sul, e Luciana Holtz de Camargo Barros, criadora do Oncoguia, um dos principais portais sobre o assunto no Brasil.
Maria Angélica soube que tinha câncer aos 43, em 2003, num exame rotineiro de toque. “Sou uma “vitoriosa'”, disse à Folha, usando o termo que o movimento brasileiro prefere para designar as sobreviventes.
As quatro comemoravam a mais recente vitória do movimento, a entrada em vigor em 29 de abril da lei que exige que o Sistema Único de Saúde (SUS) realize mamografias gratuitas anualmente em todas as mulheres de mais de 40 anos. “São três os nossos problemas”, diz Caleffi. “As mulheres não fazem o exame, os médicos não o pedem e, quando pedem, é difícil marcar.”
Cerca de um milhão de mulheres serão diagnosticadas com essa doença no mundo em 2009. Cerca de 50 mil serão brasileiras, segundo a Femama, e 12 mil morrerão -ou 24%. É uma porcentagem alta, quando comparada ao índice de fatalidade nos EUA, que hoje gira em torno de 2%, de acordo com a Susan G. Komen.
Na noite anterior, o comando da fundação americana e 300 convidados haviam sido recebidos por Joe Biden e sua mulher, Jill, no primeiro grande evento da residência do novo vice-presidente dos EUA. Foram servidos limonada cor-de-rosa e o espumante Sofia, do vinhedo do cineasta Francis Ford Coppola, conhecido por levar o nome de sua filha e vir em latas rosa-choque.
Usando laço da cor do movimento, Biden disse que seu compromisso com a luta contra o câncer de mama começou após a morte, em decorrência da doença, da mulher de um colega.
Só no fim de semana do evento, foram levantados US$ 4,3 milhões em doações. O valor corresponde a cerca de 20% do orçamento anual da subprefeitura de Campo Limpo, à qual Paraisópolis está subordinada. É para lá que Adenailde volta hoje. “Não tenho vergonha da doença”, diz ela. “Vergonha é não fazer nada.”
FSP 08/06