Da Veja SP 2217
Segunda maior favela da cidade vê surgir uma elite ávida por produtos e serviços típicos do bairro nobre do qual é vizinha
James Cimino | 18/05/2011
Com um par de óculos Ralph Lauren no rosto e uma bolsa Louis Vuitton nos braços (“Legítima, viu?”), a corretora de imóveis Helena Santos, de 50 anos, é o perfeito retrato da transformação de Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, circundada pelas casas nobres do Morumbi, na Zona Sul. A região, na qual ainda predominam a pobreza e a informalidade, tem presenciado a ascensão de uma elite que se alimenta de produtos light, usa perfumes importados, compra roupas de grife, viaja de avião e investe no próprio sorriso.
Helena, que diz nunca faturar menos que 2.500 reais por mês, tem três carros na garagem: um Gol 2010, um Marea 2001 e um CrossFox 2010, frota que reveza com seus três filhos. Divorciada, ela cria um dos treze netos e faz planos de levá-lo à Disney para celebrar o bom momento de sua imobiliária, a única do pedaço. “Uma coisa que eu não podia ter e agora posso é sabonete de marca”, diz. “Hoje, meu banheiro está cheio de Dove!”
A demanda por serviços de qualidade criada por pessoas como Helena é explicada, primeiramente, por um movimento comum a outros lugares pobres do país: o aumento do poder aquisitivo das classes mais baixas. Para quem tem esses moradores como clientes, mantê-los ali é salutar para os negócios. A corretora emergente que o diga. O valor de uma casa de dois quartos, que não passava de 80.000 reais dois anos atrás, chega a bater nos 200.000 reais, engordando suas comissões.
A reurbanização e o aprimoramento dos serviços, contudo, são os fatores que de fato mantêm seus emergentes vivendo em Paraisópolis. Na favela de cerca de 60.000 habitantes (Heliópolis, a maior da cidade, tem 100.000) ainda predominam os barracos de tijolo sem reboco e muito lixo espalhado na mais carente das cinco sub-regiões, chamada de Grotão. Mas há avanços concretos. Até o fim do ano, todas as residências terão sistemas de água e esgoto. O prédio de uma AMA (ambulatório com médicos especialistas) está em fase de retoques e o asfalto já cobre as ruas principais.
Uma transformação semelhante aconteceu nos anos 90 no bairro pobre de Soweto, em Johanesburgo, onde muitos negros que prosperaram após o fim das políticas de segregação construíram suas casas ajardinadas no mesmo local, que recebeu melhorias na infraestrutura. Como ocorre no exemplo sul-africano, a despeito de tantas mudanças positivas, restam ainda enormes desafios a ser superados em Paraisópolis. O tráfico de drogas é um deles. Há dois anos, um confronto entre PMs e bandidos assustou a vizinhança. Durante cinco horas, houve troca de tiros e carros incendiados, até que a polícia ocupou o lugar, dando fim aos conflitos.
Felizmente, episódios parecidos são hoje menos frequentes. Com isso, bandeiras de serviços e produtos caros à classe média têm se espalhado. No campo financeiro, um dos pioneiros foi o Banco do Brasil, que chegou em dezembro de 2010. Segundo Dan Marinho Conrado, diretor de distribuição da instituição, o posto bancário já conta com 600 pessoas físicas como correntistas e 27 empresas.
Quase todos se utilizam do microcrédito, que chega no máximo a 2.000 reais. Os moradores adquirem também títulos de capitalização com mensalidades a 30 reais e seguros contra queda de raio e incêndios, “inclusive os decorrentes de tumultos”. O Bradesco chegou pouco antes. E o Santander faz planos de se instalar ali dentro de alguns meses. “O perfil do empreendedor de Paraisópolis é de jovens entre 25 e 40 anos, dos quais 65% são mulheres, que pagam suas dívidas pontualmente e começam a ter uma renda básica de 1.000 reais”, diz o superintendente de microcrédito Jerônimo Ramos, do Santander.
No campo de negócios, chama atenção o índice de informalidade. De acordo com a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, a maioria dos 8.000 pontos comerciais do bairro não tem documentação. São empreendimentos, no entanto, que cumprem uma função importante. Hoje, 21% dos moradores têm emprego dentro da favela e os investimentos na região tendem a ampliar esse potencial.
Em breve, Paraisópolis ganhará seu espaço próprio de eventos, com 500 metros quadrados, palco, camarotes e acesso para deficientes. Tudo isso bem próximo de uma filial das Casas Bahia, que vende de batedeiras a TVs de LCD. A vizinhança abriga também pelo menos quinze clínicas odontológicas e serviços como lavanderia. A maior academia de ginástica, a GCA, instalada há vinte anos no pedaço, acaba de inaugurar uma ala nova, com esteiras mais modernas.
No lugar das biroscas típicas dos rincões pobres, surgem a cada dia lojas como a Brilhante Bijuterias e a Mira Modas, conhecida como a Daslu local. Conta com uma filial e vende perfumes importados como Polo Sport e J’Adore, com preço de bairro chique (cerca de 200 reais por um frasco de CK One de 100 mililitros, ante 169,90 reais no MorumbiShopping).
“As pessoas aqui não ligam de pagar um pouco mais caro para ter qualidade”, diz a dentista Bruna Sayão, 28, que se instalou em Paraisópolis em 2004, depois de uma tentativa fracassada de manter uma clínica em Perdizes. Mesmo sem atender a planos de saúde, ela recebe cerca de quinze pacientes por dia e coordena uma equipe de oito profissionais. “Antes, a turma esperava o dente ficar mole para extrair e colocar prótese, mas hoje sabe que é preciso prevenir”, afirma ela. Ao ignorar críticas de que investir na favela seria certeza de prejuízo, acabou rindo por último.
QUASE UMA CIDADE
60.000 moradores
8.000 estabelecimentos comerciais
2 postos bancários
1.620 reais é a renda média familiar mensal
90% dos 18.000 domicílios não têm escritura
800.000 metros quadrados de área total, o equivalente a 97 campos de futebol
Fontes: Secretaria Municipal de Habitação e União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis