Fabiana Uchinaka
Do UOL Notícias
Em São Paulo
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Madrugar no frio, subir e descer ladeiras, caminhar por meia hora até o último ponto do bairro para evitar a superlotação, encontrar uma imensa fila no ponto de ônibus, esperar um, dois, três micro-ônibus até conseguir uma vaga. Viajar esmagada e em pé, descer em outro ponto, pegar outro ônibus, enfrentar o trânsito e, enfim, chegar até o destino final. A rotina é de Francisca dos Santos, moradora da comunidade de Paraisópolis, segunda maior favela da capital paulista, e deve se repetir por tempo indeterminado após decisão da administração estadual de não mais privilegiar a região para a construção de uma linha de metrô.
A linha 17 (ouro) do Metrô de SP, que até 2014 ligaria o aeroporto de Congonhas ao estádio do Morumbi, na zona sul, e passaria por dois pontos de Paraisópolis, não tem mais data para sair do papel. O governo do Estado decidiu priorizar a linha 6 (laranja), que liga Brasilândia, na zona norte, à estação São Joaquim, no centro, depois que a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) excluiu o estádio da Copa do Mundo de 2014.
“É um tormento. Eu chego no trabalho exausta”, conta Francisca. “Eu acho um absurdo adiarem a linha. Não posso nem pensar nessa hipótese. O metrô daria um pouco mais de conforto ao trabalhador”, reclamou a moradora.
Outra que ficou surpresa com a notícia foi Joveina Souza, que trabalha em uma escola da região: “Vão adiar? Mas a promessa do metrô com o prazo que eles estavam dando já era muito longe. Imagina se adiar”, disse.
Na favela, onde moram cerca de 100 mil pessoas, passam apenas três linhas de lotação (Santo Amaro, Pinheiros e Campo Belo) e uma linha de ônibus (Terminal Princesa Isabel). Consequentemente, as reclamações de superlotação e veículos insuficientes para atender à demanda foram repetidas por todos os moradores do bairro ouvidos pelo UOL Notícias. Os relatos de grandes dificuldades para chegar ao centro e a ênfase no número de horas perdidas no trajeto também foram recorrentes.
“Os ônibus vêm muito cheios. Vou em pé, carregando os livros da faculdade, que são pesados. Meu braço não tem nem mais força para segurar o material. Dói tudo”, contou Maria Nilde dos Santos, que demora até três horas só para ir até a faculdade no Pari, região central, um trajeto de 20 quilômetros. “Transporte não é favor, é obrigação do Estado, né?”, desabafou.
Todos os dias Neide Gonçalves da Silva leva o filho até a escola no Itaim Bibi, a apenas seis quilômetros de Paraisópolis. “É um caos. As peruas nem param, de tão cheias. Então, a gente anda até o ponto final, mas lá também tem uma fila enorme. Para o meu filho conseguir chegar às 7h30, tem que sair às 6h”, afirmou.
Já a moradora Maria Laerte Pereira Silva reclamou que anda durante meia hora apenas para chegar até o ponto. “Chegando lá, demora mais meia hora para passar uma perua. Daí, eu fico todo esse tempo esperando e quando chega, está lotada, todo mundo pisando na gente. Tenho que ir em pé ou quase caindo”.
Carta ao governador
A alteração no cronograma do metrô fez com que a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis enviasse uma carta de protesto ao governador Alberto Goldman (PSDB). Nela, a associação cobra que os investimentos na região não sejam atrelados a grandes eventos internacionais.
“É uma irresponsabilidade. Não dá mais para ter uma política de esconder, de achar que o Morumbi é um bairro elitizado e não precisa de transporte público”, disse o presidente da entidade, Gilson da Cruz Rodrigues. Temos que integrar a favela ao bairro, temos que nos desenvolver, até para melhorar a questão de segurança, que sempre falam, e temos que desafogar o trânsito para todo mundo”.
Outro lado
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos disse que “todas as linhas são prioritárias” e que os investimentos na construção da linha ouro serão mantidos. No entanto, confirmou que o trecho que atenderá a região de Paraisópolis ficará por último.
Já a SPTrans, que administra o transporte público na cidade, informou que outras 21 linhas passam pelas avenidas Giovanni Gronchi e Morumbi, o que daria conta da demanda. Os moradores, no entanto, disseram que é inviável subir as íngremes ladeiras do bairro e andar longas distâncias para chegar até essas avenidas.
Sobre a questão da superlotação, a empresa afirmou que faz acompanhamentos em todas as linhas, “fiscalizando, ajustando a frota, horários e alterando itinerários de acordo com os índices de utilização e necessidade de deslocamentos” e que 11 inspeções foram feitas em junho na região. Mas, diante das reclamações dos moradores, comprometeu-se a intensificar a fiscalização e punir os consórcios e cooperativas responsáveis. A necessidade de aumento de frota ou linhas será estudada.