Antes do surgimento da internet, era relativamente restrito o número de produtores e disseminadores de notícias e informações (principalmente os jornais e emissoras de rádio e TV aberta). Veículos sérios (inclusive na internet) selecionavam e selecionam os conteúdos divulgados, já que são responsáveis pelo que produzem e tornam público.
Nas empresas onde trabalho há décadas (pertencentes ao Grupo Folha e ao Grupo UOL), entre os princípios editoriais está o dever de confirmar a veracidade das notícias apresentadas em matérias ou em editoriais (que expõem a posição dos veículos sobre assuntos de interesse geral). Há também espaços para colunistas externos, cada um expressando suas próprias visões (não necessariamente as da Folha de S. Paulo e do UOL), muitas vezes divergentes entre si, como convém a mídias democráticas. Tudo isso com responsabilidade, obviamente. Por isso, jornalismo sério custa caro: muitas vezes assuntos investigados por meses não são publicados se não passarem pelos critérios internos (para a divulgação, não bastam evidências pálidas; são necessárias provas fortes).
As redes sociais digitais ampliaram muito positivamente a comunicação: de repente, cada um passou a poder produzir informações, opinar, transmitir e interagir diretamente com milhares ou milhões de pessoas. Mas há um lado perverso nesse movimento: nem todos tiveram tempo ou aprendizados para usar esses novos meios com reponsabilidade e consciência. Daí os problemas que temos visto no mundo e também no Brasil: a criação e compartilhamento massivo de fake news, “cancelamentos” de pessoas nas redes sociais (por suas ideias), discursos de ódio e manifestações racistas etc. Além dos danos pessoais, essas práticas de criação e disseminação de notícias falsas e de sentimentos de ódio podem corroer o próprio regime democrático, como temos presenciado (pondo em risco até o modelo mais icônico de democracia, a norte-americana).
A Finlândia é um exemplo a ser seguido: em 2016 implementou no currículo escolar, desde a pré-escola, a educação midiática, para que os alunos aprendam a usar a internet com responsabilidade, principalmente na criação e disseminação de conteúdo. Educados a ter visão crítica para questionar o que recebem pela web, os finlandeses podem avaliar diferentes pontos de vista e tomar decisões com maior consciência. Resultado: são considerados internacionalmente como os que menos acreditam em boatos e mentiras veiculados em plataformas digitais.
No Brasil, temos o Instituto Palavra Aberta, entidade sem fins lucrativos fundada em 2010 (do qual tenho a honra de ser conselheira), que defende a liberdade de expressão e de informação, mantendo-se alerta também quanto ao mau uso dessa liberdade (como às vezes vemos no âmbito das disputas ideológicas). Uma das prioridades do Palavra Aberta é a educação midiática, ou seja, o ensino do bom uso das mídias sociais. A pergunta é: como preparar as crianças e os jovens para o uso dos meios de comunicação com senso crítico, tolerância e responsabilidade?
Em 2019 o Palavra Aberta criou o EducaMídia – Programa de Educação Midiática, para difundir o tema no Brasil e oferecer ferramentas para que crianças e jovens aprendam a consumir informação de forma segura e responsável. O público-alvo são professores e educadores do Ensino Fundamental, com programa alinhado à Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Todos os cursos e materiais são gratuitos. O EducaMídia tem abrangência nacional e já formou mais de 52 mil professores, com impacto sobre milhões de alunos.
Ser educado midiaticamente significa aprender a filtrar, ler criticamente e dar sentido ao enorme fluxo de informações que nos cerca. Significa desenvolver nossa voz, promovendo as habilidades necessárias para que possamos nos expressar em diversas linguagens, aprendendo e atuando em nossas comunidades. Significa também aprender a utilizar a tecnologia para participar da sociedade de forma ética, promovendo a empatia, reconhecendo e respeitando a diversidade de vozes e combatendo o discurso de ódio e a intolerância.
Dentro do projeto há também o EducaMídia 60+, voltado ao público maduro. Pesquisas mostram que esse contingente, com menor habilidade nos meandros do mundo digital, é mais propenso a se deixar enganar por golpes cibernéticos e por fake news, propagando-os. Para essa faixa etária foram criados materiais e vídeos específicos.
A educação midiática é o caminho para que o Brasil mude seu status no ranking dos países onde as pessoas mais acreditam em fake news. Uma boa notícia, divulgada em 1º. de janeiro de 2023, foi a criação da Secretaria Especial de Políticas Digitais e de Educação Midiática, vinculada à SECOM (Secretaria de Comunicação Social, do governo federal).
Na cacofonia da internet, com tantos desafios gerados pela desinformação e pelo uso incorreto das redes sociais, iniciativas como essa são uma luz, e merecem nosso apoio. Para conhecer melhor o Instituto Palavra Aberta, acesse: https://www.palavraaberta.org.br/